Esclerose Lateral Amiotrófica protocolo clínico

Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas


1 Metodologia de Busca da Literatura

Para a análise de eficácia dos tratamentos específicos para a síndrome de esclerose lateral amiotrófica atualmente registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e, portanto, disponíveis para utilização e comercialização no Brasil, foram realizadas buscas nas bases descritas abaixo.

Na base Medline/PubMed: “Riluzole”[Substance Name] AND “Amyotrophic Lateral Sclerosis”[Mesh]; “Riluzole”[Substance Name] AND “motor neuron disease”[Mesh]; Na base Ovid MEDLINE:Riluzole AND Amyotrophic Lateral Sclerosis AND Clinical Trial [Publication Type]; Riluzole AND motor neuron disease AND Clinical Trial [Publication Type] limitadas a: “Humans, Meta-Analysis, Randomized Controlled Trial”.
Na base Cochrane: “Riluzole”; “Amyotrophic Lateral Sclerosis”; “Motor neuron disease”.

Avaliados todos os estudos disponíveis, foram selecionados metanálises e ensaios clínicos randomizados, controlados e duplos-cegos publicados até 30/09/2009.


2 Introdução

Esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma das principais doenças neurodegenerativas, ao lado das doenças de Parkinson e de Alzheimer. Sua incidência na população varia de 0,6- 2,6 por 100.000 habitantes. Idade é o fator preditor mais importante para sua ocorrência, sendo mais prevalente nos pacientes com idade entre 55 e 75 anos. Trata-se de um distúrbio progressivo que envolve a degeneração do sistema motor em vários níveis: bulbar, cervical, torácico e lombar.

Acredita-se que, por ocasião do primeiro sintoma, mais de 80% dos neurônios motores já foram perdidos. Mais de 90% dos casos são esporádicos, e o restante tem padrão de herança autossômica dominante, às vezes relacionado à mutação do gene SOD16. A sobrevida média dos pacientes com ELA é de 3-5 anos. Na ausência de ventilação mecânica prolongada, a porcentagem de sobreviventes em 10 anos é de 8%-16%, podendo chegar a 15 anos ou mais com a ajuda de suporte ventilatório.

O quadro clínico de ELA reflete a perda de neurônios do sistema motor – do córtex ao corno anterior da medula. Sinais físicos deste distúrbio envolvem achados nos neurônios motores superior e inferior. Disfunção sensitiva é incompatível com o diagnóstico de ELA, a não ser que faça parte de um distúrbio subjacente. Os achados físicos correlacionam-se com as diferentes topografias da degeneração dos núcleos motores: bulbar, cervical ou lombar.

Pacientes com ELA de início bulbar apresentam disartria, disfagia ou ambas. Exclusão de outras causas potenciais é importante, tais como carcinoma esofágico e miastenia gravis. O envolvimento bulbar pode ser devido à degeneração do neurônio motor inferior (paralisia bulbar), do superior (paralisia pseudobulbar) ou de ambos. Paralisia bulbar é associada com paralisia facial inferior e superior e dificuldade de movimento palatal com atrofia, fraqueza e fasciculação da língua. A paralisia pseudobulbar é caracterizada por labilidade emocional (também conhecida como risada ou choro patológicos), aumento do reflexo mandibular e disartria.

Pacientes com ELA de início cervical apresentam sintomas nos membros superiores, uni ou bilateralmente. Fraqueza proximal pode-se apresentar com dificuldade nas tarefas associadas à abdução do ombro, tais como lavar ou pentear o cabelo; fraqueza distal pode se manifestar em atividades que requeiram habilidade de pinçamento. Sinais físicos nos membros superiores podem também ser devidos à disfunção do neurônio motor superior, do inferior ou de ambos. O braço pode apresentar atrofia intensa com fasciculação profusa, mas com reflexos hiperativos.

Pacientes com ELA de início lombar apresentam degeneração de neurônios motores lombares que pode manifestar-se com pé caído e dificuldade de subir escadas (fraqueza proximal).

Os principais sinais e sintomas de ELA podem ser reunidos em dois grupos:

• sinais e sintomas resultantes diretos da degeneração motoneuronal − fraqueza e atrofia, fasciculações e cãibras musculares, espasticidade, disartria, disfagia, dispneia e labilidade emocional;

• sinais e sintomas resultantes indiretos dos sintomas primários − distúrbios psicológicos, distúrbios de sono, constipação, sialorreia, espessamento de secreções mucosas, sintomas de hipoventilação crônica e dor.

3 Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacio nados à saúde (CID-10)

• G12.2 Doença do neurônio motor

4 Diagnóstico

4.1 Clínico

O diagnóstico de ELA é evidente nos pacientes com longa evolução da doença e sinais e sintomas generalizados. O diagnóstico precoce da doença, quando o paciente tem apenas sintomas focais em uma ou duas regiões (bulbar, membros superiores, tronco ou membros inferiores), pode ser difícil e dependerá da presença de sinais em outras regiões afetadas e de várias investigações seriadas. O tempo médio do início dos sintomas até a confirmação diagnóstica é de aproximadamente 10-13 meses. O diagnóstico de ELA é feito com base na presença de sinais de comprometimento do neurônio motor superior e inferior concomitantes em diferentes regiões. Os critérios de El Escorial classificam os diagnósticos em vários subtipos.

ELA definitiva

Sinais de neurônio motor superior (NMS) e inferior (NMI) em três regiões (bulbar, cervical, torácica ou lombossacra).


ELA provável

Sinais de NMS e NMI em duas regiões (bulbar, cervical, torácica ou lombossacra) com algum sinal de NMS rostral aos sinais de NMI.

ELA provável com suporte laboratorial

Sinais de NMS e NMI em uma região ou sinais de NMS em uma ou mais regiões associados à evidência de denervação aguda à eletroneuromiografia em dois ou mais segmentos.

ELA possível

Sinais de NMS e NMI em uma região somente.

ELA suspeita

Sinais de NMS em uma ou mais regiões (bulbar, cervical, torácica ou lombossacra).
Sinais de NMI em uma ou mais regiões (bulbar, cervical, torácica ou lombossacra).
Em todas as modalidades, deve haver evidência de progressão da doença e ausência de sinais sensitivos.

4.2 Exames Complementares

Pacientes com suspeita de ELA devem realizar uma série de exames, com os respectivos resultados compatíveis com a doença:

• ressonância magnética (RM) de encéfalo e junção craniocervical com ausência de lesão estrutural que explique os sintomas;
• eletroneuromiografia (ENMG) dos 4 membros com presença de denervação em mais de um segmento e neurocondução motora e sensitiva normais;
• hemograma completo dentro da normalidade;
• função renal (ureia e creatinina) dentro da normalidade;
• função hepática (ALT/TGP, AST/TGO) e protrombina dentro da normalidade.

4.3 Diagnóstico Diferencial

Nos estágios iniciais da doença, em que pode haver sinais mínimos de disfunção dos NMS e NMI, a ELA pode ser confundida com uma série de outras condições clínicas, com os respectivos diagnósticos diferenciais:

• outras doenças do neurônio motor − esclerose lateral primária, atrofia muscular progressiva, atrofia muscular espinhal, atrofia muscular espinobulbar;

• doenças estruturais − mielopatia espondilótica, malformação de Arnold-Chiari, siringomieliabou bulbia, irradiação do sistema nervoso central (SNC), acidente vascular cerebral, tumor;

• doenças tóxicas/metabólicas − hipertireoidismo, hiperparatireoidismo, intoxicação porbmetais pesados, latirismo;

• doenças inflamatórias autoimunes − neuropatia motora multifocal com bloqueio de condução, polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica, esclerose múltipla, miastenia gravis,bmiosite por corpos de inclusão, polimiosite, síndrome paraneoplásica;

• doenças hereditárias − deficiência de hexosaminidase A, paresia espástica com amiotrofia,ataxia espinocerebelar, distrofia muscular orofaríngea, adrenomieloneuropatia, deficiência de maltase ácida;

• doenças infecciosas − HIV, HTLV-1, doença de Creutzfeldt-Jakob, sífilis;

• outras doenças degenerativas do SNC − degeneração corticobasal, demência por corposbde Lewy, atrofia de múltiplos sistemas, paralisia supranuclear progressiva, doença de Parkinson;

• fasciculações benignas;

• amiotrofia monomélica − doença de Hirayama.

5 Critérios de Inclusão

Serão incluídos neste protocolo de tratamento os pacientes que apresentarem os critérios diagnósticos para ELA definitiva ou ELA provável com suporte laboratorial, avaliados por médico especialista em Neurologia através de laudo detalhado.

6 Critérios de Exclusão

Serão excluídos deste protocolo de tratamento os pacientes que apresentarem uma das condições abaixo:

• insuficiência renal ou hepática;
• outra doença grave ou incapacitante, incurável ou potencialmente fatal;
• outras formas de doenças do corno anterior medular;
• eletroneuromiografia sem demonstração de bloqueio da condução motora ou sensitiva;
• demência e distúrbios visuais, autonômicos e esfincterianos;
• gravidez ou amamentação;
• ventilação assistida;
• hipersensibilidade ao medicamento.

7 Tratamento

Várias estratégias modificadoras da doença têm sido testadas em ensaios clínicos, mas apenas um medicamento (riluzol) foi aprovado até agora. Bensimon e cols. publicaram o primeiro estudo duplo-cego, randomizado, avaliando o papel do riluzol na ELA. Foram estratificados 155 pacientes de acordo com a topografia de início da doença e submetidos ao tratamento com riluzol na dose de 100 mg/dia. Após 573 dias, 58% dos pacientes do grupo placebo estavam vivos, em contraste com 74% do grupo riluzol. O subgrupo mais beneficiado apresentava doença em nível bulbar na fase inicial, com aumento de sobrevida de aproximadamente 2-3 meses. Além disso, a perda de força muscular foi significativamente mais lenta no grupo tratado. Um estudo publicado 2 anos mais tarde, envolvendo centros americanos e um número maior de pacientes, confirmou estes achados.

Depois da publicação de uma revisão sistemática do grupo Cochrane e uma avaliação pelo Institute for Clinical Excellence (NICE) do Reino Unido, foram recomendados estudos adicionais para investigar os aspectos do potencial de efetividade do riluzol na ELA. O uso deste medicamento tem resultado em uma sobrevida maior do que a reportada nos ensaios clínicos randomizados controlados, achado que necessita de confirmação.

7.1 Fármaco

Riluzol: comprimidos de 50 mg

7.2 Esquema de Administração

O tratamento com riluzol deve ser iniciado na dose de 50 mg, por via oral, a cada 12 horas, administrados 1 hora antes ou 2 horas após as refeições.

7.3 Tempo de Tratamento

O tempo de tratamento é indeterminado e dependerá da tolerabilidade do paciente.

7.4 Benefícios Esperados

• Aumento do tempo de sobrevida

8 Monitorização

O acompanhamento a longo prazo deverá ser realizado por neurologista clínico. Recomenda-se a realização dos seguintes exames: hemograma, plaquetas e enzimas hepáticas antes de iniciar o tratamento, no primeiro, no segundo, no terceiro, no sexto, no nono e no décimo segundo mês e, após, quando clinicamente necessário.

Critérios para suspensão do tratamento:

• Quando ALT/TGP ou AST/TGO estiver 5 vezes acima do limite superior da normalidade
• Quando ocorrer citopenia: leucócitos totais (<) 3.000/mm3 ou neutrófilos (<) 1.500/mm3 ou plaquetas (<) 100.000/mm3 ou hemoglobina (<) 10 g/dl
• Evolução para ventilação assistida

9 Acompanhamento Pós-Tratamento

Os pacientes devem ter nova consulta agendada após 1 mês de tratamento para avaliação dos efeitos adversos e após 1 ano para avaliação da efetividade do riluzol.

10 Regulação/Controle/Avaliação pelo Gestor

Devem ser observados os critérios de inclusão e exclusão de pacientes neste protocolo, a duração e a monitorização do tratamento, bem como a verificação periódica das doses prescritas e dispensadas, da adequação do uso do medicamento e do acompanhamento pós-tratamento.

11 Termo de Esclarecimento e Responsabilidade − Ter

É obrigatória a informação ao paciente ou a seu responsável legal sobre potenciais riscos, benefícios e efeitos adversos relacionados ao uso do medicamento preconizado neste protocolo. O TER é obrigatório ao se prescrever medicamento do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica.

Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE - Secretaria de Atenção à Saúde - Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas - Volume I
Consultores: Pedro Schestatsky, Márcia Fagundes Lorena Chaves, Bárbara Corrêa Krug e Karine Medeiros Amaral
Editores: Paulo Dornelles Picon, Maria Inez Pordeus Gadelha e Alberto Beltrame

Abreviaturas

NMS - Neurônio Motor Superior
NMI - Neurônio Motor Inferior
ELA - Esclerose Lateral Amiotrófica
RM  - Ressonância Magnética
ENMG - Eletroneuromiografia
SNC - Sistema Nervoso Central
ALT/TGP - (são siglas diferentes para a mesma enzima) - Aspartato Aminotransferase/ Transaminase Glutâmica Pirúvica
AST/TGO - (são siglas diferentes para a mesma enzima)  - Alanina Aminotransferase/ Transaminase Glutâmica Oxalacética
Rostral - Termo utilizado somente para estrutura anatômica localizadas na cabeça. Estas estruturas devem se encontrar próxima ou voltada para o plano cranial. Na cabeça deve-se substituir o termo cranial por rostral.
HTLV-1 - (Human T lymphotropic virus type 1 ou Vírus linfotrópico da célula humana do tipo 1)

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