Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas
1 Metodologia de Busca da Literatura
Para a análise de eficácia dos
tratamentos específicos para a síndrome de esclerose lateral amiotrófica atualmente
registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e, portanto,
disponíveis para utilização e comercialização no Brasil, foram realizadas
buscas nas bases descritas abaixo.
Na base Medline/PubMed: “Riluzole”[Substance
Name] AND “Amyotrophic Lateral Sclerosis”[Mesh]; “Riluzole”[Substance Name] AND
“motor neuron disease”[Mesh]; Na base Ovid MEDLINE:Riluzole AND Amyotrophic
Lateral Sclerosis AND Clinical Trial [Publication Type]; Riluzole AND motor
neuron disease AND Clinical Trial [Publication Type] limitadas a: “Humans,
Meta-Analysis, Randomized Controlled Trial”.
Na base Cochrane: “Riluzole”;
“Amyotrophic Lateral Sclerosis”; “Motor neuron disease”.
2 Introdução
Esclerose lateral amiotrófica
(ELA) é uma das principais doenças neurodegenerativas, ao lado das doenças de
Parkinson e de Alzheimer. Sua incidência na população varia de 0,6- 2,6 por
100.000 habitantes. Idade é o fator preditor mais importante para sua
ocorrência, sendo mais prevalente nos pacientes com idade entre 55 e 75 anos.
Trata-se de um distúrbio progressivo que envolve a degeneração do sistema motor
em vários níveis: bulbar, cervical, torácico e lombar.
Acredita-se que, por ocasião do
primeiro sintoma, mais de 80% dos neurônios motores já foram perdidos. Mais de
90% dos casos são esporádicos, e o restante tem padrão de herança autossômica dominante,
às vezes relacionado à mutação do gene SOD16. A sobrevida média dos pacientes
com ELA é de 3-5 anos. Na ausência de ventilação mecânica prolongada, a
porcentagem de sobreviventes em 10 anos é de 8%-16%, podendo chegar a 15 anos
ou mais com a ajuda de suporte ventilatório.
O quadro clínico de ELA reflete a
perda de neurônios do sistema motor – do córtex ao corno anterior da medula.
Sinais físicos deste distúrbio envolvem achados nos neurônios motores superior
e inferior. Disfunção sensitiva é incompatível com o diagnóstico de ELA, a não
ser que faça parte de um distúrbio subjacente. Os achados físicos
correlacionam-se com as diferentes topografias da degeneração dos núcleos
motores: bulbar, cervical ou lombar.
Pacientes com ELA de início
bulbar apresentam disartria, disfagia ou ambas. Exclusão de outras causas
potenciais é importante, tais como carcinoma esofágico e miastenia gravis. O
envolvimento bulbar pode ser devido à degeneração do neurônio motor inferior
(paralisia bulbar), do superior (paralisia pseudobulbar) ou de ambos. Paralisia
bulbar é associada com paralisia facial inferior e superior e dificuldade de
movimento palatal com atrofia, fraqueza e fasciculação da língua. A paralisia
pseudobulbar é caracterizada por labilidade emocional (também conhecida como
risada ou choro patológicos), aumento do reflexo mandibular e disartria.
Pacientes com ELA de início
cervical apresentam sintomas nos membros superiores, uni ou bilateralmente.
Fraqueza proximal pode-se apresentar com dificuldade nas tarefas associadas à
abdução do ombro, tais como lavar ou pentear o cabelo; fraqueza distal pode se
manifestar em atividades que requeiram habilidade de pinçamento. Sinais físicos
nos membros superiores podem também ser devidos à disfunção do neurônio motor
superior, do inferior ou de ambos. O braço pode apresentar atrofia intensa com
fasciculação profusa, mas com reflexos hiperativos.
Pacientes com ELA de início
lombar apresentam degeneração de neurônios motores lombares que pode manifestar-se
com pé caído e dificuldade de subir escadas (fraqueza proximal).
Os principais sinais e sintomas de ELA podem ser reunidos em dois
grupos:
• sinais e sintomas resultantes
diretos da degeneração motoneuronal − fraqueza e atrofia, fasciculações e
cãibras musculares, espasticidade, disartria, disfagia, dispneia e labilidade
emocional;
3 Classificação estatística internacional de doenças e problemas
relacio nados à saúde (CID-10)
• G12.2 Doença do neurônio motor
4 Diagnóstico
4.1 Clínico
O diagnóstico de ELA é evidente
nos pacientes com longa evolução da doença e sinais e sintomas generalizados. O
diagnóstico precoce da doença, quando o paciente tem apenas sintomas focais em
uma ou duas regiões (bulbar, membros superiores, tronco ou membros inferiores),
pode ser difícil e dependerá da presença de sinais em outras regiões afetadas e
de várias investigações seriadas. O tempo médio do início dos sintomas até a
confirmação diagnóstica é de aproximadamente 10-13 meses. O diagnóstico de ELA
é feito com base na presença de sinais de comprometimento do neurônio motor
superior e inferior concomitantes em diferentes regiões. Os critérios de El Escorial classificam os diagnósticos
em vários subtipos.
ELA definitiva
Sinais de neurônio motor superior
(NMS) e inferior (NMI) em três regiões (bulbar, cervical, torácica ou lombossacra).
ELA provável
Sinais de NMS e NMI em duas
regiões (bulbar, cervical, torácica ou lombossacra) com algum sinal de NMS
rostral aos sinais de NMI.
ELA provável com suporte laboratorial
Sinais de NMS e NMI em uma região
ou sinais de NMS em uma ou mais regiões associados à evidência de denervação
aguda à eletroneuromiografia em dois ou mais segmentos.
ELA possível
Sinais de NMS e NMI em uma região
somente.
ELA suspeita
Sinais de NMS em uma ou mais
regiões (bulbar, cervical, torácica ou lombossacra).
Sinais de NMI em uma ou mais
regiões (bulbar, cervical, torácica ou lombossacra).
Em todas as modalidades, deve
haver evidência de progressão da doença e ausência de sinais sensitivos.
4.2 Exames Complementares
Pacientes com suspeita de ELA devem
realizar uma série de exames, com os respectivos resultados compatíveis com a
doença:
• ressonância magnética (RM) de
encéfalo e junção craniocervical com ausência de lesão estrutural que explique
os sintomas;
• eletroneuromiografia (ENMG) dos
4 membros com presença de denervação em mais de um segmento e neurocondução
motora e sensitiva normais;
• hemograma completo dentro da
normalidade;
• função renal (ureia e
creatinina) dentro da normalidade;
• função hepática (ALT/TGP,
AST/TGO) e protrombina dentro da normalidade.
4.3 Diagnóstico Diferencial
Nos estágios iniciais da doença,
em que pode haver sinais mínimos de disfunção dos NMS e NMI, a ELA pode ser
confundida com uma série de outras condições clínicas, com os respectivos diagnósticos
diferenciais:
• outras doenças do neurônio
motor − esclerose lateral primária, atrofia muscular progressiva, atrofia
muscular espinhal, atrofia muscular espinobulbar;
• doenças estruturais −
mielopatia espondilótica, malformação de Arnold-Chiari, siringomieliabou
bulbia, irradiação do sistema nervoso central (SNC), acidente vascular
cerebral, tumor;
• doenças tóxicas/metabólicas −
hipertireoidismo, hiperparatireoidismo, intoxicação porbmetais pesados,
latirismo;
• doenças inflamatórias
autoimunes − neuropatia motora multifocal com bloqueio de condução, polineuropatia
desmielinizante inflamatória crônica, esclerose múltipla, miastenia gravis,bmiosite
por corpos de inclusão, polimiosite, síndrome paraneoplásica;
• doenças hereditárias −
deficiência de hexosaminidase A, paresia espástica com amiotrofia,ataxia
espinocerebelar, distrofia muscular orofaríngea, adrenomieloneuropatia,
deficiência de maltase ácida;
• doenças infecciosas − HIV,
HTLV-1, doença de Creutzfeldt-Jakob, sífilis;
• outras doenças degenerativas do
SNC − degeneração corticobasal, demência por corposbde Lewy, atrofia de
múltiplos sistemas, paralisia supranuclear progressiva, doença de Parkinson;
• fasciculações benignas;
• amiotrofia monomélica − doença
de Hirayama.
5 Critérios de Inclusão
Serão incluídos neste protocolo
de tratamento os pacientes que apresentarem os critérios diagnósticos para ELA
definitiva ou ELA provável com suporte laboratorial, avaliados por médico especialista
em Neurologia através de laudo detalhado.
6 Critérios de Exclusão
Serão excluídos deste protocolo
de tratamento os pacientes que apresentarem uma das condições abaixo:
• insuficiência renal ou
hepática;
• outra doença grave ou
incapacitante, incurável ou potencialmente fatal;
• outras formas de doenças do
corno anterior medular;
• eletroneuromiografia sem
demonstração de bloqueio da condução motora ou sensitiva;
• demência e distúrbios visuais,
autonômicos e esfincterianos;
• gravidez ou amamentação;
• ventilação assistida;
• hipersensibilidade ao
medicamento.
7 Tratamento
Várias estratégias modificadoras
da doença têm sido testadas em ensaios clínicos, mas apenas um medicamento
(riluzol) foi aprovado até agora. Bensimon e cols. publicaram o primeiro estudo
duplo-cego, randomizado, avaliando o papel do riluzol na ELA. Foram
estratificados 155 pacientes de acordo com a topografia de início da doença e
submetidos ao tratamento com riluzol na dose de 100 mg/dia. Após 573 dias, 58%
dos pacientes do grupo placebo estavam vivos, em contraste com 74% do grupo
riluzol. O subgrupo mais beneficiado apresentava doença em nível bulbar na fase
inicial, com aumento de sobrevida de aproximadamente 2-3 meses. Além disso, a
perda de força muscular foi significativamente mais lenta no grupo tratado. Um
estudo publicado 2 anos mais tarde, envolvendo centros americanos e um número maior
de pacientes, confirmou estes achados.
Depois da publicação de uma
revisão sistemática do grupo Cochrane e uma avaliação pelo Institute for Clinical
Excellence (NICE) do Reino Unido, foram recomendados estudos adicionais para
investigar os aspectos do potencial de efetividade do riluzol na ELA. O uso
deste medicamento tem resultado em uma sobrevida maior do que a reportada nos
ensaios clínicos randomizados controlados, achado que necessita de confirmação.
7.1 Fármaco
Riluzol: comprimidos de 50 mg
7.2 Esquema de Administração
O tratamento com riluzol deve ser
iniciado na dose de 50 mg, por via oral, a cada 12 horas, administrados 1 hora
antes ou 2 horas após as refeições.
7.3 Tempo de Tratamento
O tempo de tratamento é
indeterminado e dependerá da tolerabilidade do paciente.
7.4 Benefícios Esperados
• Aumento do tempo de sobrevida
8 Monitorização
O acompanhamento a longo prazo
deverá ser realizado por neurologista clínico. Recomenda-se a realização dos
seguintes exames: hemograma, plaquetas e enzimas hepáticas antes de iniciar o
tratamento, no primeiro, no segundo, no terceiro, no sexto, no nono e no décimo
segundo mês e, após, quando clinicamente necessário.
Critérios para suspensão do
tratamento:
• Quando ALT/TGP ou AST/TGO
estiver 5 vezes acima do limite superior da normalidade
• Quando ocorrer citopenia:
leucócitos totais (<) 3.000/mm3 ou neutrófilos (<) 1.500/mm3 ou plaquetas
(<) 100.000/mm3 ou hemoglobina (<) 10 g/dl
• Evolução para ventilação
assistida
9 Acompanhamento Pós-Tratamento
Os pacientes devem ter nova
consulta agendada após 1 mês de tratamento para avaliação dos efeitos adversos
e após 1 ano para avaliação da efetividade do riluzol.
10 Regulação/Controle/Avaliação pelo Gestor
Devem ser observados os critérios
de inclusão e exclusão de pacientes neste protocolo, a duração e a
monitorização do tratamento, bem como a verificação periódica das doses
prescritas e dispensadas, da adequação do uso do medicamento e do
acompanhamento pós-tratamento.
11 Termo de Esclarecimento e Responsabilidade − Ter
É obrigatória a informação ao paciente
ou a seu responsável legal sobre potenciais riscos, benefícios e efeitos
adversos relacionados ao uso do medicamento preconizado neste protocolo. O TER
é obrigatório ao se prescrever medicamento do Componente Especializado da
Assistência Farmacêutica.
Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE - Secretaria de Atenção à Saúde - Protocolos
Clínicos e Diretrizes Terapêuticas - Volume I
Consultores: Pedro Schestatsky, Márcia Fagundes Lorena Chaves,
Bárbara Corrêa Krug e Karine Medeiros Amaral
Editores: Paulo Dornelles Picon, Maria Inez Pordeus Gadelha e
Alberto Beltrame
Abreviaturas
NMS - Neurônio Motor Superior
NMI - Neurônio Motor Inferior
ELA - Esclerose Lateral Amiotrófica
RM - Ressonância Magnética
ENMG - Eletroneuromiografia
SNC - Sistema Nervoso Central
ALT/TGP - (são siglas diferentes para a mesma enzima) - Aspartato
Aminotransferase/ Transaminase Glutâmica Pirúvica
AST/TGO - (são siglas diferentes para a mesma enzima) - Alanina Aminotransferase/ Transaminase
Glutâmica Oxalacética
Rostral - Termo utilizado somente para estrutura anatômica localizadas
na cabeça. Estas estruturas devem se encontrar próxima ou voltada para o plano
cranial. Na cabeça deve-se substituir o termo cranial por rostral.
HTLV-1 - (Human T lymphotropic virus type 1 ou Vírus linfotrópico
da célula humana do tipo 1)