As convulsões febris (CF)
constituem uma das manifestações neuropediátricas mais frequentes. Cerca de 5% das crianças
apresentam crises febris. Trata-se de condição benigna, de ocorrência única na
maioria das vezes e que cursa com desenvolvimento neuropsicomotor normal. É uma
síndrome convulsiva relacionada à idade e não deve estar associada a convulsões
neonatais ou a manifestações epilépticas prévias, lembrando que a epilepsia se
caracteriza por crises afebris recorrentes.
A melhor definição de CF é a
do Consensus Development Meeting on Long-term Management of Febrile Seizures1,
que estabelece que a CF é um evento próprio de crianças, entre 3 meses e 5 anos
de idade, associado a febre, mas sem evidência de infecção intracraniana ou de
outra doença neurológica aguda, e não precedido por crises afebris. A
International League Against Epilepsy (ILAE) modificou essa definição,
considerando 1 mês como a idade mínima e determinando que crises neonatais, crise
afebril, mesmo que única, ou outras crises sintomáticas agudas precedendo uma
convulsão febril excluem o diagnóstico de CF.
Etiologia
Embora os mecanismos
responsáveis pela origem da CF não sejam inteiramente compreendidos, sabe-se que
a febre, a idade e a predisposição genética são os fatores importantes.
Temperatura corpórea > 39 °C ocorrendo nas primeiras horas de infecções
virais constituem o quadro clínico padrão da CF. No entanto, febre secundária a
infecções bacterianas, a outras doenças febris e a imunizações também pode
levar a uma CF. Não é incomum a observação de CF em associação com temperatura <
39 °C.
O pico de incidência varia
de 9 a 18 meses, independentemente de localização geográfica, raça, sexo ou
condições socioeconômicas. Cabe lembrar que CF raramente podem ocorrer antes
dos 3 meses e após os 5 anos de idade. A persistência de CF após os 6 anos, associada
ou não a crise afebril, com remissão espontânea em torno dos 12 anos, configura
uma situação de forte componente familiar denominada “convulsão febril plus”.
A verificação de que algumas
famílias são mais suscetíveis a apresentarem CF é notória e já foram descritos os
loci cromossômicos de algumas delas. No entanto, ainda não foi identificado um
modelo de transmissão que atenda a todos os casos de CF. A maioria dos estudos sugere
herança autossômica dominante, com baixa penetrância e expressão variável, ou
herança poligênica.
Classificação
Atualmente, prefere-se a
denominação “crises febris”, porque elas podem ser convulsivas e não
convulsivas. As primeiras são muito mais comuns e a Tabela 3.1 resume os
diferentes tipos de crise nos 2 grupos. Dentre as crises convulsivas
generalizadas, as clônicas e as tônico-clônicas são as mais frequentes. As
hipotônicas e, em especial, as tônicas são bem menos observadas. As crises mioclônicas
e os espasmos infantis não são considerados como manifestações das CF.
De modo geral, as CF são
tônico-clônicas generalizadas, de curta duração, únicas e precoces em uma mesma
doença febril, e não se acompanham por fenômenos neurológicos pós-críticos.
Essas características definem as CF típicas, simples, ou também chamadas crises
não complicadas. Crises com duração > 10 min, parciais, que se repetem
durante o mesmo episódio febril, e acompanhadas por sinais neurológicos
transitórios (paralisia de Todd) são denominadas atípicas, complexas ou
complicadas. A distinção entre ambas tem importância clínica, uma vez que
define prognósticos diferentes: a forma atípica está associada a um maior
número de recorrências, tanto febris, quanto afebris.
Diagnóstico
O diagnóstico da CF é
clínico e nem sempre fácil de ser definido em um primeiro momento. A hipótese é
reforçada quando a crise é típica, o exame neurológico é normal, o paciente já
apresentou uma ou mais CF e há relato de casos semelhantes em parentes de 1º
grau.
Exames complementares são
importantes na investigação da doença de base e são essenciais para exclusão da
meningite. Lactentes que apresentem a primeira CF, mesmo na ausência de sinais
de irritação meníngea, devem realizar exame do líquido cefalorraquidiano. O eletroencefalograma
(EEG) pode mostrar anormalidades, principalmente nas crianças com CF
prolongadas ou repetidas, mas não tem valor prático, pois não define a
probabilidade de recorrências, tanto febris quanto afebris3. O EEG na crise
febril tem valor limitado, porque a presença de anormalidades não define o
diagnóstico, não modifica a conduta e não tem valor prognóstico.
Exames de neuroimagem também
não auxiliam no diagnóstico das CF mas, na criança com crises atípicas recorrentes,
ou naquelas que apresentam sinais prévios de comprometimento do sistema
nervoso, a ressonância magnética cerebral pode mostrar anormalidades que são
fatores de risco para epilepsia (esclerose hipocampal), ou a causa da
anormalidade observada no exame neurológico.
Prognóstico
A mortalidade é inexpressiva
e a morbidade é baixa. A maioria dos casos de CF evolui sem sequelas de
qualquer natureza, mesmo aqueles que se manifestam por crises recorrentes, ou
pelo estado de mal epiléptico. A epilepsia, em crianças que tiveram crises
febris, ocorre em uma proporção de 2 a 10 vezes em relação à esperada para a
população em geral, principalmente nos casos de CF precedidas por sinais ou
sintomas de comprometimento neurológico, nos casos atípicos de CF e nas crianças
com história familiar de epilepsia.
Tratamento
O tratamento da CF, na
maioria das vezes, é limitado à fase aguda, quando estão indicados antitérmicos
e medicação específica para a doença febril. Nos casos de crise prolongada, a
criança deverá ser levada a um serviço de emergência. Nos casos caracterizados
por crises febris recorrentes, principalmente quando associadas aos fatores de
risco (início precoce das CF, relato de história familiar de CF, presença de
crises com características atípicas), pode-se utilizar a profilaxia
intermitente, embora não haja consenso em relação a sua eficácia.
Por sua ação rápida, os
benzodiazepínicos são as drogas prescritas, especialmente o diazepam, por via
retal, nas formas de supositório ou de solução, na dose de 0,5 mg/kg de peso, a
cada 12 horas e por 2 dias consecutivos; o tratamento deve ser iniciado assim
que a família perceber os sinais da doença febril.
Orientar a família quanto ao
problema do filho é fundamental para que a qualidade de vida da criança não sofra
as possíveis repercussões do mau entendimento que costuma cercar as
manifestações convulsivas.
Resumo
As convulsões febris (CF)
constituem uma das manifestações neuropediátricas mais frequentes. Cerca de 5%
das crianças apresentam crises febris. Trata-se de condição benigna, de
ocorrência única na maioria das vezes, e que cursa com desenvolvimento
neuropsicomotor normal. É uma síndrome convulsiva relacionada à idade e não deve
estar associada a convulsões neonatais, ou a manifestações epilépticas prévias.
O tratamento da CF, na
maioria das vezes, é limitado à fase aguda, quando estão indicados antitérmicos
e medicação específica para a doença febril. Nos casos de crise prolongada, a
criança deverá ser levada a um serviço de emergência.
Referências Bibliográficas
1. Consensus development
panel. Febrile seizures: long term management of children with fever-associated
seizures. Pediatrics. 1980;66:1009-12.
2. Commission on
epidemiology and prognosis – International League Against Epilepsy. Guidelines
for epidemiological studies on epilepsy. Epilepsia. 1993;34:592-6.
3. Aicardi J. Febrile
convulsions. In: Aicardi J. Epilepsy in children. 2.ed. New York: Raven Press;
1994. p.253-75.
4. Elkis LC. Crises
sintomáticas agudas. In: De Manreza MLG, Grossmann RM, Valério RMF, Guilhoto
LMFF (eds). Epilepsia: infância e adolescência. São Paulo: Lemos Editorial;
2003. p.207-28.
Autora: Lucia Maria da Costa
Fontenelle