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Aspectos Epidemiológicos
A leptospirose é uma doença infecciosa aguda, sistêmica, que acomete homens e animais, causada por Leptospiras. A distribuição geográfica da leptospirose é cosmopolita, no entanto a sua ocorrência é favorecida pelas condições ambientais vigentes nas regiões tropicais, onde a Ý T e os períodos do ano com Ý índices pluviométricos favorecem o aparecimento de surtos epidêmicos. É uma zoonose de Ý importância devido aos prejuízos que acarreta, não só em nível de saúde pública, face à Ý incidência de casos humanos, como também econômicos, em virtude do Ý custo hospitalar dos pacientes, da perda de dias de trabalho e das alterações na esfera reprodutiva dos animais infectados.
Agente Etiológico
O gênero Leptospira é um dos componentes da família dos Espiroquetídeos, onde estão reunidos os microrganismos espiralados, visualizados apenas pela microscopia de campo escuro. Nesse gênero aceita-se a existência de 2 espécies: L. interrogans e L. biflexa, as quais reúnem, respectivamente, as estirpe patogênica e a saprófita de vida livre.
Reservatório e Fonte de Infecção
Os roedores são o principal reservatório da doença, albergam a leptospira nos rins, eliminando-as no meio ambiente e, contaminando água, solo e alimentos. Dentre os roedores domésticos (Rattus norvegicus, Rattus rattus e Mus musculus), grande importância deve se dispensar ao R. norvegicus, portador clássico da L. ictero-haemorraghiae, a mais patogênica ao homem.
Modo de Transmissão
A infecção humana pela leptospira resulta da exposição direta ou indireta à urina de animais infectados. Em áreas urbanas, o contato com águas e lama contaminados demonstram a importância do elo hídrico na transmissão da doença. Há outras modalidades menos importantes de transmissão como a manipulação de tecidos animais e a ingestão de água e alimentos contaminados. A transmissão de pessoa a pessoa é muito rara e sem importância prática. A penetração do microorganismo se dá pela pele lesada ou mucosas da boca, narinas e olhos, podendo ocorrer através da pele íntegra, quando imersa em água por longo tempo.
Período de Incubação
Em média de 7-14 dias.
Período de Transmissibilidade
A infecção inter-humana é rara, sem importância prática.
Suscetibilidade e Imunidade
A suscetibilidade no homem é geral, porém ocorre com maior frequência em indivíduos do sexo masculino, entre 20-35 anos, por estarem mais expostos a situações de risco. A imunidade adquirida é sorotipo específica, podendo incidir mais de uma vez no mesmo indivíduo, porém, por sorovares diferentes. Tradicionalmente, algumas profissões são consideradas de alto risco, como trabalhadores em esgotos, lavouras e pecuária, garis e outras.
Há nítida predominância de risco em pessoas que habitam ou trabalham em locais com más condições de saneamento e expostos a urina de animais, sobretudo a de ratos, que se instalam e proliferam, contaminando a água, solo e alimentos.
Distribuição, Morbidade, Mortalidade e Letalidade
A leptospirose é sazonal, intimamente relacionada aos períodos chuvosos. É uma doença endêmica, sendo comum o surgimento de casos isolados ou de pequenos grupos de casos, tornando-se epidêmica sob determinadas condições, como: umidade e temperaturas Ý e infestação de roedores contaminados. A doença ocorre tanto em nível rural quanto urbano. Na 2° , adquire um caráter mais severo, devido à grande aglomeração urbana de baixa renda morando à beira de córregos, em locais desprovidos de saneamento básico, em condições inadequadas de higiene e habitação, coabitando com roedores, que aí encontram os meios à sua proliferação. A presença de água, lixo e roedores contaminados predispõe à ocorrência de casos humanos de leptospirose.
Aspectos Clínicos
A infecção humana varia muito em gravidade, desde formas subclínicas até as formas fatais. Qualquer sorovar pode causar a forma grave ou branda. A doença se inicia abruptamente com febre, MEG e cefaleia, descrevendo-se 2 formas clínicas, anictérica e ictérica.
Forma Anictérica: 60-70% dos casos. A doença pode ser discreta, de início súbito com febre, cefaleia, dores musculares, anorexia, náuseas e vômitos. Dura de um a vários dias, sendo frequentemente rotulada de "Sd. gripal" ou "virose". Uma infecção mais grave pode ocorrer, apresentando-se classicamente como uma doença febril bifásica. A 1° fase, septicêmica ou leptospirêmica, inicia-se abruptamente, com febre Ý , calafrios, cefaleia intensa, prostração, mialgias que envolvem principalmente os músculos das panturrilhas, coxas, regiões paravertebrais e abdômen, resultando em palpação dolorosa, podendo simular um abdômen agudo cirúrgico. Anorexia, náuseas, vômito, obstipação ou diarréia, artralgias, hiperemia ou hemorragia conjuntival, fotofobia e dor ocular podem ocorrer. Podem surgir hepatomegalia, hemorragia digestiva e, raramente, esplenomegalia. Epistaxe, dor torácica, tosse seca ou com expectoração hemoptóica podem ser observadas. Recentemente, têm sido relatados casos anictéricos que evoluem para importante sintomatologia respiratória, levando inclusive a quadros de insuficiência respiratória aguda e óbito. Distúrbios mentais como confusão, delírio, alucinações e sinais de irritação meníngea podem estar presentes. As lesões cutâneas são variadas: exantemas musculares, máculo-papulares, eritematosos, urticariformes, petequiais ou hemorrágicos. Em geral ocorre hiperemia de mucosas. A fase septicêmica dura de 4-7 dias, havendo uma melhora acentuada dos sintomas ao seu término. Em seguida, o paciente pode restabelecer-se ou evoluir com recrudescimento de febre e sintomas gerais e instalação de um quadro de meningite, caracterizado por cefaleia intensa, vômitos e sinais de irritação meníngea, assemelhando-se clínica e liquoricamente às das meningites virais. Há manifestações respiratórias, cardíacas e oculares (uveítes). As manifestações clínicas da 2° fase, também chamada fase imune, iniciam-se na 2° semana da doença e desaparecem em 1-3 semanas. Alguns pacientes apresentam alterações de volume e sedimento urinário a partir da 2° semana de doença, porém é rara a insuficiência renal aguda na leptospirose anictérica.
Forma Ictérica: nessa forma, a fase septicêmica evolui para uma doença ictérica grave, com disfunção renal, fenômenos hemorrágicos, alterações hemodinâmicas, cardíacas, pulmonares e de consciência, associadas a taxas de letalidade entre 5-20%. Na leptospirose ictérica, o curso bifásico é raro. Os sintomas que precedem à icterícia são mais intensos e de maior duração do que os relatados na forma anictérica. Destaca-se a presença das mialgias, sobretudo nas panturrilhas, durante as 2 semanas iniciais. A icterícia tem seu início entre o 3-7° dia da doença, apresentando uma tonalidade alaranjada (icterícia rubínica) bastante intensa e característica. Na maioria dos casos, a palidez é mascarada pela icterícia. Ao exame do abdômen há dor à palpação e hepatomegalia em 70% dos casos. Insuficiência renal aguda e desidratação ocorrem na maioria dos pacientes. A oligúria é menos frequente que a poliúria, mas está associada a um pior prognóstico. Uma característica importante da insuficiência renal na leptospirose é sua associação com alterações hemodinâmicas, como: desidratação intensa e hipotensão, que podem agravar o quadro e levar à NTA. Choque circulatório e ICC podem ser encontrados, porém são menos frequentes que as alterações ECGs como alterações no ritmo, repolarização ventricular e bloqueios diversos. Essas alterações podem ser agravadas pelos distúrbios metabólicos, em especial hiperpotassemia e uremia. Os fenômenos hemorrágicos são frequentes e podem traduzir-se por petéquias, equimoses e sangramento nos locais de venopunção ou hemorragias gastrointestinais exteriorizadas por hematêmese, melena ou enterorragias. O comprometimento pulmonar na leptospirose ictérica é manifestado por tosse, dispneia e hemoptise, associados a alterações Rx diversas, que variam desde infiltrado intersticial focal até intersticial e alveolar difuso. Recentemente têm sido observados quadros respiratórios mais graves evoluindo para insuficiência respiratória aguda com hemorragia pulmonar maciça ou SARA. Nessa 2° fase da doença, que dura 2 semanas, o paciente apresenta regressão progressiva dos sintomas, evoluindo para cura em 1-3 semanas. Atrofia muscular e anemia são manifestações observadas por ocasião da alta do paciente.
Diagnóstico Diferencial
As maiores dificuldades Dx são representadas pelas formas anictéricas, as quais correspondem à maioria dos casos da doença, passando despercebidas e são rotuladas como outros Dx. Apesar de apresentarem evoluções benignas, podem também levar ao êxito letal. Na dependência dos sintomas predominantes, tem sido sugerida a classificação dessas formas anictéricas em: tipo influenza, pulmonar (tosse e hemoptise), febril pura, hemorrágica, miálgica, meníngea. Verifica-se que as possibilidades de confusão Dx são bem maiores que na forma ictérica. Nesse último caso, o número de possíveis Dx diferenciais fica ß e, o que é mais importante, a presença de febre, mialgia e icterícia, mais facilmente, traz à mente tal suspeita Dx. Segundo o período evolutivo, têm sido considerados os seguintes Dx diferenciais:
Fase séptica (anictérica): "viroses", dengue, influenza, Hanta vírus, apendicite aguda, septicemias, colagenoses, colecistite aguda, febre tifóide, infecção de vias aéreas superiores e inferiores, malária, pielonefrite, riquetsioses, toxoplasmose, MBAs.
Fase imune (ictérica): colangite, coledocolitíase, febre amarela, hepatite, malária, Sd. hépato-renal, esteatose aguda da gravidez, septicemias. Nem sempre o médico relaciona o quadro clínico com a leptospirose, na fase séptica, pois as manifestações são inespecíficas. O Dx definitivo dependerá do encontro de leptospiras ou da presença de anti-corpos específicos no soro.
Tratamento
O tratamento visa, de um lado, a combater o agente causal (ATBs) e, de outro, a debelar as complicações, principalmente o desequilíbrio hidroeletrolítico, hemorragias, insuficiência respiratória e renal e perturbações cardiovasculares, como arritmias, ICC, hipotensão e choque. As medidas terapêuticas de suporte constituem-se nos aspectos de maior relevância e devem ser iniciadas precocemente, na tentativa de evitar complicações da doença, principalmente as renais.
Diagnóstico Específico
O método laboratorial de escolha depende da fase evolutiva em que se encontra o paciente. Na fase aguda, durante o período febril, as leptospiras podem ser visualizadas no sangue através de exame direto, culturas ou a partir de inoculação em animais de laboratório. O exame direto é extremamente falho.
A cultura somente se torna (+) após algumas semanas, o que garante sempre Dx retrospectivo; finalmente a inoculação, que é técnica muito trabalhosa, necessita sempre de laboratórios especializados. As leptospiras podem ser visualizadas diretamente na urina, cultivadas ou inoculadas após a 2° semana de doença. Pelas dificuldades em sua realização, estas técnicas também não são adotadas rotineiramente. O exame do líquor e de tecidos musculares-esqueléticos, renais e hepático são raramente utilizados. Os métodos consagradamente eleitos para configuração Dx da leptospirose são sorológicos. São de escolha as técnicas de aglutinação, que se (+) a partir da 2° semana de doença. Recomenda-se a realização de pelo menos 2 exames, um no início e outro a partir da 4° semana de doença.
Exames Complementares
Entre os exames complementares considerados inespecíficos, mas de relevância para o Dx e acompanhamento, incluem-se: HMG, coagulograma, transaminases, bilirrubinas, uréia, creatinina, eletrólitos, gasometria, parcial de urina, Rx tórax e ECG. Podem ocorrer alterações nos exames complementares tais como:
leucocitose, neutrofilia e desvio para a esquerda
anemia hipocrômica a partir da 2° semana
Ý VHS
plaquetopenia
Ý bilirrubinas, principalmente da BD, que pode ultrapassar 20 mg/dl
transaminases normais ou com Ý que não ultrapassam a 500mg/dl, estando a TGO usualmente acima da TGP
fosfatase alcalina elevada
atividade de protrombina ß ou tempo de protrombina Ý
K normal ou ß , mesmo na vigência de insuficiência renal aguda
uréia e creatinina elevadas
líquor com xantocromia (casos ictéricos) e pleocitose linfocitária são comuns na 2° semana da doença, mesmo na ausência de clínica de envolvimento meníngeo
gasometria arterial mostrando acidose metabólica e hipoxemia
Notificação
Todos os casos suspeitos devem ser notificados.
Definição de Caso
Suspeito: é a pessoa com sintomas sugestivos da doença como febre, mialgias (panturrilha), vômitos, calafrios, alterações do volume urinário, conjuntivite, icterícia, fenômeno hemorrágico e/ou Sd. Weil (alterações hepáticas, renais e vasculares). Também é suspeito os casos que apresentem sintomas infecciosos inespecíficos, com antecedentes epidemiológicos sugestivos. Considera-se como antecedentes epidemiológicos:
exposição a enchentes ou coleções hídricas contaminadas como córregos, fossas, lagos e rios
exposição a esgoto, fossa ou manilhas de esgoto contaminadas com urina de roedores
atividades que envolvam risco ocupacional como coleta de lixo, limpeza de córregos, trabalho em água ou esgoto, tratadores de animais
presença de animais infectados nos locais frequentados pelo paciente
Confirmado:
Critério Laboratorial:
isolamento da bactéria a partir do sangue, urina ou líquor
microaglutinação com soro-conversão, sendo necessárias 2-3 amostras com intervalo de 15 dias, evidenciando Ý títulos de 4 vezes ou mais
quando não houver possibilidade de 2 amostras, um título igual ou Ý 1:800 na microaglutinação confirma o Dx. Títulos menores (entre 1:100-1:800) devem ser considerados de acordo com a situação epidemiológica
Critério Clínico-Epidemiológico:
todo caso com clara evidência de associação epidemiológica. Nos casos suspeitos que evoluírem para o óbito sem confirmação laboratorial, amostras de tecido poderão ser encaminhadas para exame imuno-histoquímico.
Medidas de Controle
Vários fatores interagem na ocorrência de casos de leptospirose, portanto as medidas de controle deverão ser direcionadas não só ao controle de roedores, como também à melhoria das condições higiênico-sanitárias e alterações do meio ambiente. Entre as principais medidas destacam-se:
controle dos roedores
ß risco de exposição de ferimentos às águas/lama de enchentes
medidas de proteção individual para trabalhadores expostos a risco, como uso de roupas especiais, luvas e botas
uso de sacos plásticos duplos amarrados nas mãos e nos pés representam alguma proteção, quando não for possível usar luvas e botas
limpeza e desinfecção com hipoclorito de sódio
utilização de água filtrada, fervida ou clorada
vigilância sanitária dos alimentos, descartando os que entraram em contato com águas contaminadas
armazenagem correta dos alimentos em locais livres de roedores
destino adequado do lixo, principal fonte de alimento e abrigo do roedor
eliminar entulho, materiais de construção ou objetos em desuso que possam oferecer abrigo a roedores
desassoreamento, limpeza e canalização de córregos
construção de galerias de águas pluviais e esgoto em áreas urbanas
emprego de técnicas de drenagem de águas livres supostamente contaminadas
ações permanentes de educação em saúde alertando sobre as formas de transmissão, manifestações clínicas, tratamento e controle da doença
em caso de suspeita clínica, procurar orientação médica, relatando a Hx epidemiológica nos 20 dias que antecederam os sintomas
poderá ou não ser indicado ATBs em casos de exposição de alto risco
tratamento de animais doentes, com especial atenção para o uso de procedimentos terapêuticos que sustem a eliminação urinária de leptospiras
vacinação de animais (caninos, bovinos e suínos) através do uso de bacterinas preparadas com as variantes sorológicas prevalentes na região
higiene e remoção adequado de excretas animais e desinfecção permanentes dos canis ou locais de criação de animais.
Fonte: FUNASA