Miastenia Gravis

caracterizada por fraqueza flutuante que melhora com o repouso e piora com exercício, infecções, menstruação, ansiedade, estresse emocional e gravidez. A fraqueza pode ser limitada a grupos musculares específicos (músculos oculares, faciais, bulbares) ou ser generalizada. A crise miastênica é definida por insuficiência respiratória associada a fraqueza muscular grave.

A incidência de MG varia de 1-9 por milhão, e a prevalência, de 25-142 por milhão de habitantes, havendo discreto predomínio em mulheres. A idade de início é bimodal, sendo os picos de ocorrência em torno de 20-34 anos para mulheres e de 70-75 anos para homens.

Na maioria dos pacientes, MG é causada por anticorpos antirreceptores de acetilcolina (Ach). O papel destes anticorpos na etiologia de MG foi claramente estabelecido nos anos 70, quando a plasmaférese provou ser eficaz na remoção dos anticorpos e na consequente melhora funcional por mais de 2 meses. Verificam-se também alterações anatômicas bem estabelecidas, tais como aumento do tamanho da junção neuromuscular e diminuição do comprimento da membrana pós-sináptica.

Por se tratar de doença de caráter autoimune, outras afecções de mesma natureza podem coexistir em paciente com diagnóstico de MG, devendo ser rastreadas de forma racional, especialmente hipo/hipertireoidismo e doença do timo. Setenta por cento dos pacientes têm hiperplasia de timo e aproximadamente 10% apresentam timoma – com potencial para comportamento maligno –, sendo este mais comum em pacientes com 50-70 anos de idade. Artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren, aplasia de células vermelhas, colite ulcerativa e doença de Addison podem ocorrer concomitantemente com MG.

As complicações clínicas mais importantes de MG são tetraparesia e insuficiência respiratória (crise miastênica). A mortalidade dos pacientes é extremamente baixa (1,7 por milhão da população geral), graças aos avanços na área do Intensivismo.

O tratamento da doença objetiva o controle dos sintomas motores característicos, a diminuição das exacerbações, o aumento do período em remissão e o tratamento das crises miastênicas.

Diagnóstico


História e achados físicos fornecem usualmente as pistas iniciais mais importantes para definição de MG, seguidos pelos exames complementares.

Diagnóstico clínico


Anamnese


Uma história detalhada dos sintomas de fraqueza muscular e de fatigabilidade é imprescindível para o esclarecimento de queixas vagas associadas a MG. É importante inquirir sobre a progressão dos sintomas miastênicos que usualmente afetam os músculos oculares na fase inicial, mas tendem a generalizar-se dentro de 2-3 anos após o diagnóstico.

Anormalidades oculares


Frequentemente há queixa de ptose palpebral, visão borrada ou diplopia, particularmente após uma sessão de leitura ou ao final do dia. O envolvimento da musculatura ocular externa estará presente em 90%-95% dos casos em algum momento da doença. Uma maneira de aumentar a sensibilidade da detecção deste achado é pedir ao paciente que olhe para cima de forma sustentada ou abra e feche ambos os olhos repetidamente. Após a manobra, oftalmoplegia completa e nistagmo também podem ser vistos, embora menos frequentes. Quando a manifestação inicial de uma síndrome miastênica for de origem ocular, a hipótese de síndrome de Eaton-Lambert é virtualmente excluída.

Anormalidades de musculatura bulbar e facial


Um terço dos pacientes apresenta dificuldade de mastigação e deglutição, podendo haver, inclusive, emagrecimento associado. Regurgitação nasal de líquidos ou sólidos pode resultar do acometimento dos músculos faríngeos e palatais. Caso haja fraqueza concomitante da língua, disartria e voz anasalada podem sobrevir. Embora menos frequente, a fraqueza facial pode ser detectada, ao se solicitar aos pacientes que fechem os olhos contra resistência. Eventualmente, podem apresentar um “sorriso canino”, por falência da musculatura do canto da boca e por retração labial.

Envolvimento apendicular


Fraqueza muscular dos membros e do pescoço é encontrada em até 30% dos pacientes, sendo que em apenas 3% o predomínio é distal.

Anormalidades respiratórias


Ocasionalmente os pacientes podem apresentar-se com insuficiência respiratória por fraqueza diafragmática e de músculos respiratórios assessórios9, configurando crise miastênica. Uma maneira eficaz de avaliar disfunção respiratória à beira do leito é solicitar aos pacientes que contem em voz alta até 20 após uma inspiração máxima. Caso sejam incapazes de realizar tal tarefa sem interromper para respirar novamente, a capacidade vital forçada pode ser estimada em menos de 1 litro.

Demais partes do exame neurológico


Sensibilidade e reflexos usualmente são normais.

Os pacientes com MG podem ser distribuídos em 4 grupos de acordo com a classificação de Osserman e Genkins, levando em consideração o padrão de fraqueza. Na Tabela 1, estão indicados os grupos e as respectivas prevalências.

Classificação de Miastenia Gravis conforme Osserman e Genkins


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Diagnóstico laboratorial


Testes laboratoriais confirmatórios são essenciais para o diagnóstico de MG. A ordem de realização é a sugerida a seguir.

Estudo eletroneuromiográfico


Estimulação elétrica repetitiva, realizada durante eletromiografia, é o teste de escolha para avaliação de pacientes com potencial disfunção da junção neuromuscular. É método diagnóstico mais resolutivo dentre os disponíveis para o diagnóstico de MG1, variando a sensibilidade conforme o segmento anatômico e a classe de doença, segundo a classificação de Osserman e Genkins.

A técnica inicial recomendada é a da estimulação repetitiva a 3-4Hz. O teste será positivo (75% de sensibilidade) se houver decremento do potencial de ação muscular composto evocado > 10% quando comparados o primeiro e o quarto ou quinto estímulo. Neuroconduções sensitiva e motora são normais, podendo eventualmente a eletromiografia demonstrar um padrão miopático concomitante.

Caso o exame seja normal e ainda permaneça a suspeita diagnóstica, recomenda-se a realização de eletromiografia de fibra única, que apresenta uma sensibilidade de 99%, excluindo virtualmente MG caso sua análise seja normal.

Análise laboratorial


O teste imunológico mais comumente utilizado para o diagnóstico de MG mede a quantidade de anticorpo antirreceptor de Ach marcado por alfa-bungarotoxina (pesquisa de anticorpo antimúsculo estriado). A sensibilidade do teste é de 50% na MG ocular e de 85% na MG generalizada.

Outros exames


Uma vez confirmado o diagnóstico, deve-se investigar a ocorrência concomitante de outras doenças frequentemente associadas a MG. Para tal, recomenda-se a realização de tomografia computadorizada de tórax para investigar aumento de volume do timo e planejar cirurgia se indicada.

Hemograma, função renal e hepática, eletrólitos, velocidade de eritrossedimentação, provas de função tireóidea e de atividade reumática são exames necessários para excluir outras doenças.

Diagnóstico diferencial


Doenças que causam fraqueza muscular sistêmica ou de nervos cranianos podem ser confundidas com MG12. Síndromes miastênicas congênitas (não confundir com miastenia gravis juvenil ou neonatal transitória) são raras e de natureza não autoimune. MG induzida por fármacos tem sido associada a penicilamina, curare, procainamida, quininas e aminoglicosídios. Lesões intracranianas com efeito de massa ou lesões de tronco encefálico podem causar achados oculares de nervos cranianos que mimetizam a miastenia. Outras síndromes incluem a síndrome de Lambert-Eaton, tireoideopatias, oftalmoplegia externa progressiva e distrofia oculofaríngea.

Casos Especiais


Crise miastênica


Definida como disfunção respiratória que exige ventilação mecânica, é uma complicação potencialmente fatal que ocorre em aproximadamente 15%-20% dos pacientes com MG13. A mortalidade nestes casos caiu de 40% no início da década de 1960 para apenas 4% a partir de meados da década de 1970, devido, em grande parte, à melhora dos cuidados respiratórios e das unidades de terapia intensiva, e, em menor parcela, graças ao amplo uso de imunoterapias, como plasmaférese e administração de imunoglobulina. Thomas e cols. avaliando 73 episódios de crises miastênicas, observaram que 74% dos pacientes apresentaram episódio nos primeiros 2 anos de doença, sendo infecção a maior causa identificável de precipitação (38%). Em 30% dos casos, não foi encontrada nenhuma causa precipitante. Apesar dos avanços em termos de mortalidade observados em 25 anos, a média de duração de intubação nos pacientes com crise (2 semanas) não apresentou diminuição significativa. Um dos diagnósticos diferenciais importantes nas crises miastênicas são as chamadas “crises colinérgicas”, geralmente por excesso de medicamentos anticolinesterásicos (neostigmina, piridostigmina). Em ambas as situações, o paciente pode apresentar visão borrada, dispneia, aumento de secreções, disartria e fraqueza generalizada. Por esta razão é que usualmente recomenda-se a redução ou mesmo a interrupção do medicamento anticolinesterásico vigente na eventualidade de um quadro respiratório fulminante associado a MG em atividade.

Miastenia gravis juvenil


Trata-se de uma situação definida pelo surgimento de sinais e sintomas miastênicos entre o 1º e o 18º ano de idade15, perfazendo 10% de todos os casos de MG. No entanto, segundo relatos da literatura, podem representar, na verdade, miastenia congênita (doença sem caráter autoimune), particularmente nos pacientes com anticorpos antirreceptores de Ach negativos. Se houver sintomas incapacitantes, recomenda-se iniciar piridostigmina (1 mg/kg) com ajuste gradual da dose conforme os sintomas. Para pacientes com doença moderada a grave, utiliza-se prednisona (1 mg/kg) com alternância da dose após 2-4 semanas. Transcorrido este período, recomenda-se diminuir gradativamente a dose (aproximadamente 1-5 mg a cada 2-4 semanas, dependendo do peso do paciente) até a suspensão total. Outros imunossupressores são desencorajados para estes pacientes, embora tenham sido obtidos alguns resultados satisfatórios em séries de casos com azatioprina, ciclosporina e imunoglobulina.

Gravidez


Não há piora do desfecho a longo prazo. O curso da doença é altamente variável e imprevisível durante a gestação e pode mudar nas gestações subsequentes. Em revisão da literatura envolvendo 322 gestações de 225 mães miastênicas, observou-se piora dos sintomas em 41% das pacientes. Cinquenta e nove por cento melhoraram ou permaneceram com resultados inalterados. Das mães que pioraram, 30% o fizeram no período pós-parto. A regra geral no manejo desta situação é evitar o uso de outros agentes imunossupressores, além da prednisona, pelos efeitos teratogênicos, embora a plasmaférese e a imunoglobulina tenham se mostrado seguras nestas situações, quando estritamente necessárias.

Sulfato de magnésio deve ser evitado em mães pré-eclâmpticas em função de seu efeito bloqueador neuromuscular. A maior preocupação acaba sendo a miastenia neonatal transitória, resultante da transferência passiva de anticorpos maternos antirreceptores Ach através da placenta. Há um risco teórico da passagem destes anticorpos através do leite materno, mas a grande maioria dos bebês não apresenta problemas durante a amamentação.

Miastenia Gravis autoimune neonatal transitória


Pode ocorrer em até 10% dos neonatos filhos de mães com MG. Tal condição resulta da transferência passiva de anticorpos maternos antirreceptores Ach através da placenta, tendo início usualmente nos primeiros 3 dias de vida. Manifesta-se através de choro fraco, dificuldade de sucção, fraqueza generalizada, tônus diminuído, dificuldade respiratória, ptose e diminuição da expressão facial, com resolução espontânea após 18-20 dias. MG autoimune neonatal transitória não pode ser confundida com miastenia congênita, doença de caráter não autoimune e com apresentação clínica distinta e mais tardia. Pacientes com esta condição podem ser tratados sintomaticamente com medicamentos anticolinesterásicos. Crianças com crise miastênica podem necessitar de plasmaférese. Imunoglobulina humana parece não ser efetiva.

Miastenia Gravis anti-Musk


Aproximadamente 50% dos pacientes com MG sem anticorpos antirreceptores Ach apresentam anticorpos contra uma enzima da membrana muscular, denominada tirosina quinase musculoespecífica (anti-Musk). Lavrnic e cols. analisaram 17 pacientes com esta condição, observando maior prevalência de mulheres, envolvimento facial e bulbar predominantes e refratariedade aos anticolinesterásicos.

Cuidados Peri operatórios e manejo medicamentoso


Vários cuidados especiais são necessários ao paciente com MG submetido a procedimento cirúrgico em razão dos riscos envolvidos: disfunção respiratória grave, arritmias e intolerância a agentes anestésicos. Assim, no período pré-operatório deve-se investigar a concomitância de outras doenças autoimunes (presentes em 10% dos casos), tais como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico e hipotireoidismo, situações essas com potenciais implicações nos cuidados necessário. Avaliação da função pulmonar e estudo estrutural do tórax (presença de timoma e possível compressão traqueal) devem ser realizados, bem como avaliação do status cardíaco (bloqueios de condução, hipertrofia de câmaras cardíacas). Do ponto de vista medicamentoso, deve-se garantir a estabilidade clínica do paciente com a mínima dose possível. Descontinuidade do glicocorticoide às vezes é possível, diminuindo o risco de problemas de cicatrização e infecção. Finalmente, em alguns casos selecionados, dependendo da classificação do paciente (especialmente pacientes dos grupos 3 e 4) e da urgência do procedimento, pode-se lançar mão de plasmaférese pré-operatória.

A escolha da anestesia geral envolve o uso de inalação ou de agentes intravenosos. Entre os primeiros, sevoflurano, isoflorano e halotano, apesar de diminuírem a transmissão neuromuscular em 50% dos casos, proporcionam boas condições operatórias sem o uso de medicamentos paralisantes. Propofol é o agente intravenoso de eleição, não alterando a transmissão neuromuscular. Existem casos raros de complicações neuromusculares em pacientes com MG durante a aplicação de anestésicos regionais. Os relaxantes musculares não despolarizantes devem ter sua administração reduzida a apenas um quinto da dose usualmente utilizada em pacientes normais, sendo atracúrio o fármaco de eleição. Alguns fármacos sabidamente diminuem a transmissão neuromuscular em pacientes com MG, tais como aminoglicosídios, procainamida, betabloqueadores, fenitoína, morfina, barbitúricos, lidocaína e, mais recentemente, gabapentina.


Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas - Série A. Normas e Manuais Técnicos - MINISTÉRIO DA SAÚDE

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